sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

A maldição da Casa 70

Era um dia de sol, esperado por muito tempo pelo povo da pequena e pacata cidade, que como em toda cidade tinhas ruas e casas numeradas. Os nomes já esquecidos pela memória, só resta mesmo é o número da casa. Setenta. Morava uma família mediana, de classe mediana e que tinha uma garota de quinze anos chamada Mariana.

Adolescente dona de si e da verdade, Mariana passava mais tempo lendo livros de assuntos sensacionalistas de temas polêmicos e que continham história – algumas tão falsas que pareciam verídicas. Era obcecada pelos tabus e então se achava no direito de estudar e discutir o assunto com quem quer que fosse.

Já do outro lado da rua, na casa de madeira que se encontrava em frente a casa 70, morava um senhor que se sentava nos dias de chuvas numa velha cadeira de plástico e odiava ser incomodado pelo “moço” da agua. Vai entender. Que observava sempre a menina passar carregada de livro e o nariz pequeno empinado. Achava aquela garota estranha, com aquele cabelo meio sem forma e aquelas roupas. Achava o que todo mundo achava, e o povo comentava. Lá vai aquela Mariana estranha.

Os pais não reclamavam. Tirava notas boas. Era melhor uma CDF estranha, do que uma vadia drogada. “Mariana. Mariana.” Toda vez a mesma história. Lá ia ela toda confiante para a biblioteca se enfestar de ácaros.

Mariana. Mariana. Ele odiava o burburinho que acontecia toda vez que aquela menina estranha passava pela porta da biblioteca municipal. Menina estupida. Se acha uma pesquisadora e não passa de uma doida que ainda não aprendeu a passar maquiagem.

Uma olhada tímida para o pessoal que trabalhava no seu lugar preferido. Uma olhada medonha para um ser estranho. Menino escroto. Com aquele colar ridículo com uma estrela dentro de um círculo, nem sabe o que significa e já vai usando. Coisa de estilo, coisa de metaleiro brasileiro. Aquele cabelo armado e sujo. Aquele rosto suado devido ao calor das roupas justas e negras.

Mariana já tinha falado com o pessoal da biblioteca, tinha até uma quase amizade com a faxineira. Mas ela não se dirigia nunca ao cara do Xerox. Nem mesmo quando queria uma cópia, ela fazia questão de esperar até outra pessoa vir lhe atender. Não gostava nem uma pouco daquele babaca que se achava. Tem metaleiro que se acha o filho do capeta. E esse aí era um desses.

A garota não era religiosa nem nada, tudo que tinha aprendido nos livros sobre as crenças lhe fizeram ter certo tipo de aversão a temas do gênero.

Era uma coisa inevitável, algum dia a bomba explodiria. E foi naquele dia ensolarado, em que o velho não sentou na calçada para ver Mariana passar, e que o rapaz parecia mais sebento e irritado do que os demais daquele verão infernal . Todos mal-humorados. E a garota cheia de si, deu uma aula para o rapaz do Xerox sobre anticristo e símbolos usados erroneamente.

Fulo da vida, o rapaz do Xerox que odiava livros e ácaros, que trabalhava ali por não ter mais escolhas e que passava todo santo dia com fones de ouvidos, exceto nesse momento. Soltou o que qualquer pessoa sem muito argumento faria: rogou-lhe uma maldição.

- Venderei sua alma ao Diabo! – gritou enraivecido.

Um “Santo Deus!” ouviu-se baixinho. E logo depois um “Shhhh...” geral . Biblioteca não é lugar de discussão.

- Pois, venda! Eu não tenho medo, porque não acredito.

A discussão passou para o lado de fora, lá na calçada. Dois jovens estranhos discutindo assuntos sem fundamento ou lógica.

A garota da casa 70 perdeu sua alma para os livros e o Diabo! Mariana estranha. Em toda casa 70, há uma Mariana que briga com um metaleiro que lhe manda ao inferno.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

La justice

Um barulho de freio assustou os pedestres que esperavam para atravessar o cruzamento de uma rua relativamente tranquila. O carro preto não ficou muito tempo parado, virou a esquerda cantando os pneus. Era como se estivesse perseguindo o invisível. As pessoas que ficaram estáticas pelo susto ainda conseguiam ouvir o ronco do motor e as buzinas nas quadras adiantem, mas não se demoraram muito nesse detalhe insignificante e voltaram a suas vidas normais. Afinal era uma cidade grande e de tudo se podia esperar dela, a maioria nem ao menos havia reparado que o carro era um autentico Mustang Boss 302, ano 1970, totalmente preto com os vidros polarizados e que com certeza seu motor fora completamente reformado, assim como a pintura e os pneus.

De relance o porteiro do prédio residencial da esquina vira toda cena e relatara em seu pequeno caderno aquele acontecimento extraordinário em sua vida. “Perseguindo algo invisível” falou baixo enquanto escrevia em letras miúdas. E depois voltou aos seus afazeres banais. Porem com um brilho no olhar, aquele dia não seria mais um que passaria cinza. Então a tarde se foi embora e as luzes foram acesas e o garoto do andar 17 passou com um jato pela portaria. Emperrou-se na porta estragada. Por que esse porteiro não arruma essa droga?!

“Algo muito interessante aconteceu hoje...” começou o porteiro que varria o corredor. O garoto virou-se impaciente para o velho e revirou os olhos. “... um Mustang perseguindo o invisível...”. Iiiiih, pirou de vez!

“Hmmm... To saindo!” e a porta magicamente não emperrou e abriu facilmente. Vá então! Um vento gelado bateu no garoto mal agasalhado que logo se arrepiou e encolheu-se andando com o rosto abaixo e com pressa as sete quadras até um pequeno restaurante onde sempre jantava com seu pai. Especialmente esta noite iria jantar sozinho, algo que odiava.

O sininho da porta tocou como de costume e ele apenas se questionou o porquê de ir jantar sozinho, se bem poderia pedir uma pizza e jantar enquanto assistia televisão. Olhou as mesas, muitas delas ocupadas por casais, por ser uma sexta-feira. Encontrou uma vazia bem aos fundos, perto da cozinha.

“Boa noite, Frankie!” sorriu Bob Bryar, o gerente do restaurante. “Deseja que eu encontre uma mesa?”

“Não, obrigado Bob” suspirou o garoto, conduzindo-se para o fundo do estabelecimento. “Vou sentar aqui nos fundos mesmo, estou sozinho hoje.” O tom melancólico não combinava com ser tão jovem, mas o gerente já havia se acostumado com o comportamento maduro e sério de Frank, que apenas tinha 16 anos. Logo o garçom apareceu, era um menino magrelo com um nome estranho algo que começasse com St... Ou Sp... Tinha muitas espinhas no rosto e a gravata borboleta sempre meio torta.

“Oi Frankie! O que vai querer hoje? ” O garoto olhou para o cardápio sem mesmo prestar atenção, já sabia o que pediria: “ O prato especial do dia, é só.” Ele não percebeu, mas o garçom fez uma careta de desgosto e saiu.

Se seu pai estivesse ali, as coisas seriam diferentes. Eles sentariam numa mesa perto das grandes janelas que davam para a calçada e o pai de Frank comentaria sobre as pessoas que passavam e contaria coisas engraçadas do seu dia-a-dia. O garoto nem ligaria para os demais, porque aquela era a hora com seu pai e estaria de tão bom humor que seria simpático com todos, distribuindo sorrisos e “obrigados”. Algumas coisas não mudariam, como o fato de Frank sempre pedir o prato especial do dia e sentir mal por comer em publico. Hoje ele estava sozinho e nem ao menos sabia o porquê tinha saído de casa.

Comeu rápido, tomando cuidado para não derramar comida ou passar vergonha em publico. Depois que seu prato acabou ele ficou olhando os demais presentes naquela noite. “Posso tirar a conta?” pediu o garçom, interrompendo qualquer que fosse o devaneio do garoto, agora não parecia mais tão simpático. Frank deu apenas um aceno distraído.

O sininho e o vento gelado. Estava escuro e frio, mas nem isso espantava as pessoas de saírem numa sexta-feira à noite.

[continua...]

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Sobre ser e se entregar

Tomar coragem para cair de um abismo, um tiro no escuro. Corre-se sempre o risco da dor. Corre-se sempre o risco de que no final não haja aquele final feliz.
Nem sempre dá certo. Mas nós sempre nos entregamos com fé e esperança.
Sem se culpar, nem sempre era para ser.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Libertação

Quantos segredos cabem dentro da gente? Julieta guardava uma porção enorme deles. Alguns mais pareciam verdades sobre si não ditas.

Alguém uma vez lhe disse que era livre. Mas ela não acreditou porque a sociedade te obriga a ser e se comportar de forma que sua liberdade tem limites. Por muitos anos Julieta apenas ignorou o significado que a pessoa tentara lhe ensinar.

"Seja livre."

Liberdade é um verdade não-concreta. Nem todos a tem, pois muitos acreditam que se deve impor regras e limites aos próprios pensamentos.

Foi então que Julieta aprendeu a ser livre. O que você pensa é só seu. Você é livre a ter qualquer tipo de opinião nos mais diversos assuntos - inclui-se tabus.

Liberdade não é algo publico, explícito. É algo que vem da gente e é íntimo.

domingo, 23 de janeiro de 2011

Louco mundinho

Não sei como é que eu - minha alma - foi parar numa família tão louca, neurótica, questionadora. Eu não me lembro de uma vez só que estive em certa harmonia e rotina nessa vida. Rotina de escola, sim, essas coisas são normais. Mas é que minha vida muda constantemente, e eu que sou alérgica a pó vivo numa família que tem uma certa atração com obras.

Posso morar minha vida inteira na mesma cidade e no mesmo endereço. Mas não é como se as coisas fossem sempre a mesma. Nós três - minha família - vivemos num eterno acampamento. Comendo no chão. Lavando os dentes no tanque. Dormindo na sala.

"Os vizinhos devem pensar: já que nós não viajamos, fazemos acampamento dentro de casa." diz meu pai, rindo. Só nos basta rir dessa vida louca que vivemos.

Quando tudo parece resolvido, redecorado, arrumado e cheiroso. Lá começa tudo de novo.

É que não somos de um tipo muito comum.